Em julho de 2007, fomos uma turma para o Pico da Bandeira, localizado no Parque Nacional do Caparaó, há 60 km de Manhuaçu. Como nunca tinha ido, mesmo morando tão perto, não pensei duas vezes antes de aceitar. Partimos na tarde sexta-feira (27/07/07) com destino àquela grande aventura. Chegamos à cidade de Alto Caparaó – MG no fim da tarde, início da noite. Passamos a noite na cidade, tomando uma cachacinha pra esquentar o frio. No sábado de manhã (28/07/07) acordamos, tomamos um café da manhã reforçado. Bacon, pães e conhaque no leite. Reunimos a turma, tiramos algumas fotos e fomos almoçar. Depois do almoço, descansamos e discutimos as táticas de subida. Chegamos à portaria do parque aproximadamente às 16:00 e éramos um grupo de onze pessoas. Subimos 6 km de carro até a tronqueira, local onde o pessoal costuma acampar e último local de acesso com veículos motorizados. Fizemos uma hora por lá, tiramos mais fotos, alguns montaram barraca. Preparamos um camarãozinho e tome conhaque. No fim da tarde pude ver e fotografar o maravilhoso por do sol, sobre aquele lindo mar de nuvens entre montanhas. Pegamos nossas mochilas no início da noite, colocamos nas costas e caminhamos 4,5 km por trilhas até o terreirão, último local para acampamento antes do cume, a 2370 m de altitude. Chegamos ao terreirão por volta de 23:30, onde conseguimos um cantinho seco para nos proteger do frio e fomos logo preparar nossa alimentação. Sopas, barrinhas de cereal, chás predominavam no cardápio. Estávamos exaustos pela longa caminhada por trilhas íngremes. Após isso fomos tirar algumas fotos da nossa turma. Esse período que passamos no acampamento foi muito legal. Tinha em média umas 50 barracas espalhadas pela área de camping. Conhecemos e encontramos pessoas de vários lugares. Era praticamente uma comunidade alternativa, separadas por turmas, clãs e tribos. No local via-se rodas de bate papo, de churrascos e de músicas ao som de vozes e violão. Todos muito animados.
Lembro-me quando estava a minha turma deitada, descansando para a grande subida, quando passou um garotinho correndo e gritando: “Zerou! O termômetro zerou!” Está fazendo zero grau! Só vi algumas pessoas saindo de dentro de suas barracas. Após esse momento, algumas pessoas prepararam sua alimentação no fogareiro, e após isso tentaram em vão descansar definitivamente, uma vez que um dos grupos estava cantarolando em alto e bom som. Tentei dormir, mas consegui apenas tirar alguns cochilos. Estava muito frio. Nos amontoamos feito filhotes de rato, um em cima do outro, para tentar um calor. Durante todo o dia e noite olhávamos para o céu, pois só poderíamos subir caso o céu estivesse limpo e sem perigo de chuvas. Por várias vezes o céu ficou nublado e outras muitas, limpo, aumentando cada vez mais nossas expectativas. A lua estava cheia e linda, clareando todo o acampamento, sem precisar em alguns momentos clarear com a lanterna por onde andávamos.
Às 2:00 a grande maioria estava acordada se preparando e preparando os outros para a subida. Eu estava com uma luva, duas meias, gorro, três blusas de frio e duas calças. Às 3:00 partimos em direção ao cume. O céu estava limpo e estrelado. Tudo mostrava que ia ser perfeito o nascer do sol.
A maioria ia subir pela primeira vez ao pico e mais outras pessoas que já haviam subido anteriormente. Estávamos ansiosos para saber o que nos esperava lá em cima. Tínhamos que subir 4,5 km, e em subidas cada vez mais íngremes. Durante a subida o clima foi mudando. Aquele tempo gostoso e friozinho foi ficando cada vez mais instável. Foi formando uma pequena névoa e um ventinho que nos dava arrepios. Fomos colocando mais agasalhos e bebendo conhaque para aquecer. Pensamos que aquela névoa ia passar, mas ao contrário: aumentou cada vez mais e se transformando em um chuvisco e engrossando até formar uma grossa chuva. Assim também foi o vento, de uma leve brisa, se transformou num vento forte. As gotas de água gelada juntamente com o vento, iam batendo em nossos rostos, como se fossem alvejados por pedras, tão grande era a dor que sentíamos. A subida estava cada vez mais difícil, cada vez mais íngreme e, como se não bastasse, chovia. Sabíamos que não ia ser nada fácil chegar e ficar no cume esperando o sol nascer. Estávamos preparados mental e fisicamente para o frio e o vento, mas não para a tempestade. Algumas pessoas até cogitaram desistir e retornar. Após uma difícil subida e debaixo de uma forte chuva e ventania, finalmente chegamos aos pés do Cristo fixado no cume, a exatamente 2892 m de altitude. Era exatas 5:00. Só dava pra ver pequenos grupos amontoados em blocos para tentar fugir da ventania e da chuva. Fizemos a mesma coisa: aglomeramos-nos numa pequena fresta entre a rocha e a terra e tentamos com o cobertor nos cobrir. Tentávamos ficar o mais próximo um do outro e compartilhar o calor de nossos corpos. Os dedos das mãos e dos pés já estavam doendo. Ficávamos respirando por debaixo da coberta para aumentar o calor. Nessa hora ouvi uma pessoa gritar: - “Está dando -4°!”. Não acreditava no que tinha ouvido. Começou aí nosso sofrimento que duraria um bom tempo. Tremíamos, senti dores como nunca havia sentido. Ficamos imóveis tentando nos aquecer.
O sol, segundo dados da internet, começaria a nascer por volta de 6:12. Estava ventando muito forte e a chuva nos alvejava o rosto, e doía como laminas cortando a carne. Nossos ossos pareciam estar trincando de tanta dor. Entramos entre duas rochas e ficamos cada vez mais unidos segurando o cobertor que o vento insistia em nos tirar. Estava muito mais frio e ouvíamos o barulho das juntas duras pelo frio, quando mexíamos as mãos e os pés para circular o sangue. O vento, segundo outros que lá estavam, soprava a 75 km/h. O frio era tão grande que não só eu, mas todos os que estavam lá em cima, já estavam se acostumando com a idéia de que não agüentaríamos mais. Nunca senti tanto frio e aperto na minha vida. Nossa esperança era que o sol nascesse para nos aquecer, mas foi em vão. O frio não cessou.
Já por volta de 7:00, começamos a descer, pois o sol já havia nascido, e se ficássemos ali, íamos morrer congelados, mas nos aqueceríamos com o movimento na descida. Quando saímos do meio das duas rochas, aquela chuva junto ao vento, que nos chicoteava o corpo e que nos tirava o cobertor, dificultava também nossa caminhada, de tão forte que estava. Já não sentia os dedos dos pés e das mãos. Parei por um instante e tirei minha luva, imaginando que veria meus dedos e unhas roxos. Fiquei mais calmo quando vi que ainda estavam normais. Aquela passada de onde estávamos até a descida do cume, também foi terrível. Durante o tempo que passamos lá em cima, não dava pra ver 5 m a frente por causa da neblina e chuva. Assim que começamos a descer escutei uma pessoa que estava de posse de um termômetro reclamar do frio. Segundo ele, a temperatura chegou a -8° naquela dura madrugada. É fato ainda que a sensação térmica pode chegar a 5° a menos que a real quando venta. Então entendíamos o porquê tínhamos sentido tanto frio: com aqueles fortes ventos, a temperatura que sentíamos era em torno de -13°, se não for pra menos por causa da grossa chuva. Algumas pessoas que foram ao pico várias outras vezes, nunca viram tal fenômeno como aquela madrugada. Já ouviram falar em temperaturas de -16°, mas aquela tempestade e ventania, nunca tinham visto igual.
De pouco a pouco, a chuva e o vento iam se amenizando, podendo finalmente nos aquecer com os movimentos da descida. Podia se ver sobre as toucas, uma fina camada de gelo. Quando faltavam uns 3 km para chegar ao terreirão (acampamento), o poderoso sol saiu limpando todo o céu e também nos aquecendo. Podíamos ver lindas paisagens: montanhas e vales verdes. Daí, pude ver, pensar e reconhecer o quão maravilhosa, poderosa e ao mesmo tempo severa era a Mãe Natureza.
Na descida pude notar o cansaço estampado no rosto de cada um pelo sofrimento, dor e frustração de não ter visto o mais lindo fenômeno do Pico da Bandeira: ver o sol nascer lá em baixo por entre montanhas e por cima de um mar de nuvens, formando a mais bela imagem. Fico pensando: ir ao Pico da Bandeira e não ver o sol nascer, é como ir à Praça de São Pedro num domingo e não assistir ao Ângelus dado pelo Papa, para um católico. Não faz sentido. E mesmo assim, estávamos felizes por ter aguentado e sobrevivido àquela experiência.
Talvez julgue um pouco exagerada essa narrativa, mas só entende o que passamos e sentimos lá quem passar pela mesma experiência.
Chegamos ao terreirão por volta de 9:00, debaixo de um forte sol. O pessoal já estava desarmando acampamento para descer. Esperamos reunir todos que subiram, lanchamos e tiramos algumas fotos para recordar aquele dia.
Quando estava tudo pronto, descemos para a tronqueira. Saímos do terreirão sobre forte sol, e chegamos à tronqueira por volta das 10:00 e coisa alguma, entre densa névoa e céu fechado, que pouco depois se transformou numa leve chuva. Conversamos com pessoas de variadas cidades e regiões que também estavam lá em cima. E todos, que tinham ido até o cume, tinha a mesma opinião. Que nunca tinham passado tanto aperto como naquela noite. Quando perguntei se iriam voltar ano que vem, as respostas eram as mais diferentes. Um disse: “Deus que me livre! Eu nunca mais volto nesse lugar!”. Outro: “Já sofri demais para uma vida”. E um: “Sim, mas vou voltar mais bem equipado”.
E nós, o que faremos em 2008? Eu pretendo voltar e poder ver aquilo pelo qual, em vão, fui motivado a passar por tudo isso: O sol nascer.
Fica assim então.
Obrigado amigos!
Leonardo (Eu), Brunão, Daniel, Wladimir, Lívio, Fernanda, Flaviano, Monalisa, Flavinho, Tica e sua amiga de Ouro Preto.
03 April 2010
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